sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Maria Santíssima e nossa Consagração Religiosa



O texto abaixo é a tradução, feita pelo Irmão Arnaldo Mário Hillebrand, de uma mensagem do nosso Superior Geral Irmão Álvaro Rodríguez Echeverría a Religiosos e Religiosas (Ele foi o presidente da USG - União dos Superiores Gerais, durante vários anos). No dia 16 de agosto, domingo, comemora-se a solenidade da Assunção de Maria Santíssima, o mais novo dogma proclamado pela Igreja. É também o Dia dos Religiosos e das Religiosas, no mês das Vocações. Acreditamos que esse artigo possa servir para reflexões de todos que acreditam que Deus nos chama à vida e nos dá uma vocação.



A atitude de Maria na Visitação à sua prima Isabel e o Canto do Magnificat podem servir-nos de ponto de referência para uma reflexão sobre nossa consagração religiosa.


Maria, no mistério da Visitação, nos faz ver que o Deus que a escolheu para ser seu tabernáculo, no mistério da Encarnação, é o mesmo que a inspira para ir, com pressa, prestar serviços à sua prima necessitada. Em Maria, a consagração a Deus se traduz em serviço ao irmão. Para nós, do mesmo modo, consagrar-nos a Deus deve significar, sobretudo, entrega a quem necessita de nós. Amar a Deus e amar o próximo: estas são as duas dimensões fundamentais, assim como o são no Evangelho.

Maria, mulher do povo, simples e humilde, vive sua consagração a Deus atenta à realidade, próxima a seu povo. João Paulo II, aos religiosos e religiosas, expressou isto assim, em Caracas: “Na Virgem do Magnificat há duas maravilhosas fidelidades... Uma fidelidade a Deus e ao projeto de amor misericordioso dEle, e uma fidelidade ao povo de Deus. Sede vós, também, fiéis a Deus e a seu projeto. E sede fiéis ao povo de Deus!” (Caracas, 28 de janeiro de 1985). Nós somos convidados para isto!

Maria Santíssima em nossa vida espiritual
Com profundo carinho filial nós nos achegamos a Maria, nossa Mãe. Ela esteve tão presente a nós em nossa infância, no crescimento de nossa vocação, em nossas crises e esperanças! Ela é também a mãe do nosso Continente, ao qual visita com pés descalços e tez morena e até mesmo preta. Modelo da inculturação da nossa fé. Maria, tão profundamente querida por nossos povos latino-americanos, talvez seja porque a figura materna está mais próxima e encarna melhor os valores de abnegação e de ternura, no povo predominantemente afetivo e sentimental, onde a mãe, muitas vezes, tem sido e é tudo.


Maria sempre tem sido a Rainha e a Mãe das Escolas Cristãs. Nosso Instituto foi instituído e se desenvolveu sob sua sombra maternal. O santo Fundador nos incita a “considerar Maria como a padroeira principal de nossa Sociedade. Por isso nos colocamos todos os dias sob seu amparo e proteção; desde o amanhecer até o entardecer; quando concluímos a nossa oração da manhã, e depois de cada um dos nossos exercícios comunitários. Recorremos a ela, porque depois de Deus, é em Maria que depositamos toda a nossa confiança” (Med. 151, 3).
Ela nos faz descobrir o valor, muitas vezes esquecido, do feminino. Maria aparece, sobretudo, como sacramento da ternura maternal de Deus.

Nossa sociedade está padecendo de uma mudança de centro de gravidade. De uma sociedade baseada no predomínio do masculino e da racionalidade, se está passando para uma sociedade centralizada na pessoa e no equilíbrio de suas qualidades.


A racionalidade marcou o mundo dos quatro últimos séculos, como o oposto da emoção, da subjetividade, do sentimento e da intuição. Tudo isto levou para uma infravalorização do feminino, porque se desdenha o irracional, o intuitivo, o emotivo.

Nossa fé concentrou em Maria a plena realização do feminino. Em Maria, o feminino aparece como caminho para Deus e revelação de Deus, porque, como afirmava João Paulo I: “Deus é Pai, mas sobretudo é Mãe”.

Por isso podemos dizer que as raízes do feminino se perdem em Deus, e Maria é a revelação, o sacramento, a antecipação escatológica de tal mistério de ternura. Aproximar-nos de Maria é conhecer melhor o ser de Deus.

O feminino nos faz ver o ser humano em outros termos. Até agora o mundo esteve mais fortemente marcado pelo masculino, a racionalidade, a força, a eficácia. Hoje estamos vivenciando os resultados desta maneira de ver. Neste contexto aparece o feminino como possibilidade de outra óptica marcada por relacionamentos mais fraternais, de mais ternura e solidariedade, mais contemplativos e em comunhão com a terra. A “Conferência de Pequim” (1) pôs em destaque muitos destes valores e, alguns dias antes, o Papa João Paulo II, afirmara que são os homens, e não as mulheres, aqueles que decretaram e realizaram as guerras, e, na alocução do “Ângelus” deu mostras de estar admirado pelo enorme enriquecimento de que a Igreja usufruirá quando a mulher puder desenvolver nela suas potencialidades.

Mas, Maria Santíssima não apenas se revela como ideal da mulher, mas de todo ser humano. Porque se Maria é a Mãe Puríssima, a Mãe Amável, a Rosa Mística, a Estrela da Manhã (qualidades femininas), Ela é também a Torre de Davi, o Espelho da Justiça, (atribuições masculinas).


Maria Santíssima aparece, pois, primeiramente como revelação de Deus. Um Deus que se compara com a mãe que consola, mãe incapaz de esquecer-se do filho de suas entranhas, que no final da história enxugará as lágrimas de nossos olhos. Maria acresce um elemento novo à Encarnação: “Neste sentido, o estado de Maria, de ser Mãe de Cristo e nossa mãe, explica algo da redenção de Cristo, um elemento que não está explicado, ele mesmo, na ação da redenção de Cristo, e que não pode sequer ser explicado nessa ação. Esse elemento é a qualidade feminina e maternal da bondade. Contudo, o homem Jesus como tal, não pôde manifestar essa generosidade, essa meiguice, esse carinho terno, esse «algo» próprio de u’a mãe. Uma manifestação assim só é possível num ser feminino e maternal. E Deus escolheu Maria para patentear em sua pessoa esta característica maternal” (Schillebeeckx).

Em segundo lugar, Maria é o ideal do ser humano: convite para vivenciar e redescobrir o valor do feminino em nossa pessoa e em nossa cultura. Nosso santo Fundador pessoalmente nos convida a isto, quando nos pede que unamos à firmeza do pai a ternura da mãe. E este aspecto simbólico não deve fazer que percamos o lado histórico de Maria, porque Ela também foi uma aldeã, a esposa do carpinteiro José, a virgem mãe do também carpinteiro Jesus, a mulher atenta às necessidades dos outros, a mulher forte ao pé da cruz, a mãe jubilosa do Ressuscitado, a companheira dos apóstolos no Pentecostes.

Neste sentido, no Documento de Santo Domingo é asseverado: “Maria, a mulher solícita ante a necessidade surgida nas bodas de Caná, é modelo e figura da Igreja em face de toda e qualquer forma de necessidade humana (cf. Jo 2,3ss). Como a Maria, Jesus recomenda à Igreja que se preocupe pelo cuidado maternal da humanidade, sobretudo daqueles que sofrem” (cf. Jo 19,26-27).

Por isso, Maria é também a esperança do povo. Esperança e causa de sua alegria. Seguindo neste ponto o Irmão Noé Zevallos, podemos dizer que, em Maria, nos é possível encontrar tudo aquilo que desejamos ser. Queremos ser pessoas, livres, construir um mundo isento de egoísmos, estar do lado dos pobres e inspirar-lhes esperança. Maria realizou tudo isto integrando as tensões mais dolorosas e os conflitos com sua visão clara da Vontade de Deus. O Papa Paulo VI escreveu:

“Para o homem contemporâneo, - não raro atormentado entre a angústia e a esperança, prostrado mesmo pela sensação das próprias limitações e assaltado por aspirações sem limites, perturbado na mente e dividido em seu coração, com o espírito suspenso perante o enigma da morte, oprimido pela solidão e, simultaneamente, a tender para a comunhão, presa da náusea e do tédio, a bem-aventurada Virgem Maria contemplada no enquadramento das vicissitudes evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na Cidade de Deus, proporciona-lhe uma visão serenadora e uma palavra tranquilizante: a da vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação da alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte” (Marialis cultus, 57).

E, se Maria acompanhou Jesus nas alegrias (Caná), sem esquecer as expressões populares de fazer festa e recrear-se, também o acompanhou ao pé da cruz, depois de quase todos terem fugido. “Junto à cruz, Maria representa a dor da humanidade. Diz o profeta: Tua dor é profunda como o mar. - A pessoa que vive na dor, que participa dessa herança cruel da humanidade, encontra na Virgem Maria um modelo operativo para suportar a aflição e não sucumbir em face da angústia... E, nessa sexta-feira santa da humanidade, Maria ao pé da cruz, esperando contra toda esperança, representa a imensa e inesgotável confiança dos pobres(Irmão Noé Zevallos).



O “Sim” de Maria e nossa Consagração


“No Sim total que Maria disse a Deus, os Irmãos descobrem melhor o sentido da própria consagração” (R 76).


Possivelmente, em um dos textos mais belos do nosso santo Fundador sobre a Santíssima Virgem Maria, inspirado sobretudo no Magnificat, ele nos apresenta de uma maneira extraordinária, o que, com certeza, foi o cerne da consagração dEla a Deus desde o nascimento:
“Serviu-se de sua razão para adorar a Deus
e dar-lhe graças por todas as suas liberalidades.
Já então, consagrou-se totalmente a Ele,
para não viver, nem ter no resto de seus dias,
vida nem movimento, que não fossem do agrado dEle.
Humilhou-se profundamente no íntimo de sua alma,
reconhecendo que tudo o que nela se operava era devido a Deus.
Admirava em seu interior o que Deus operara nEla,
e dizia a si própria, o que depois publicou em seu
Cântico: Deus fez em mim maravilhas!

Olhando para dentro de si, e contemplando Deus morando ali,
maravilhada pela profusão com que o Criador
se havia derramado em sua criatura,
aceitou e se convenceu de que tudo nela
devia prestar tributo, honra e glória a Deus...

Se a Virgem Maria recebeu tal abundância de graças,
foi para que tornasse partícipes delas
todos os homens que recorrem à sua proteção...”
(Med. 163,3 – parafraseada pelo Irmão Noé Zevallos)


Neste texto podemos divisar um dúplice olhar de Maria. Um olhar para Deus: adorar, dar-Lhe graças, consagrar-se a Ele. Um olhar sobre si mesma: reconhecer, admirar, maravilhar-se. Percebemos como o ato de humildade se transforma em agradecimento, porque Deus operou nela maravilhas. E, nas linhas finais, a projeção salvífica de sua vida. Dimensões que, como Maria, nós devemos integrar na vivência de nossa consagração e em nossa oração.

O santo Fundador, a partir de Maria, também nos sugere outra maneira de vivenciarmos nossa consagração: estar abertos à Palavra, para poder comunicá-la aos outros, e assim sermos tabernáculos do Verbo de Deus, sacramentos de sua presença, assim como foi Maria:


“Honrai hoje a Santíssima Virgem Maria como o tabernáculo e o templo vivo que o próprio Deus construiu e adornou com as próprias mãos. Pedi a Maria que vos obtenha de Deus a graça de que vossa alma seja tão ornada e disposta a ouvir a Palavra de Deus e a comunicá-la aos outros, que, por sua intercessão, vos transformeis em tabernáculos do Verbo Divino” (Med. 191,3).

Conclusão


Maria, Sacramento da ternura maternal de Deus, ajuda-nos a penetrar cada dia mais profundamente no mistério do Absoluto que tu nos revelas; a perder-nos em Deus; a fazer de Deus o único necessário.


Maria, ideal do ser humano, ajuda-nos a despertar esses valores que tu encarnas e que nós temos esquecido. Assim, com tua ajuda, poderemos construir um mundo mais fraterno, mais solidário, menos egoísta, mais delicado, gratuito e desinteressado.

Maria, esperança do povo, dá-nos um coração sensível à dor e à pobreza; às necessidades das crianças, dos adolescentes e dos jovens que educamos. Ensina-nos a ler sinceramente o Evangelho de Jesus e traduzi-lo em vivência, no espírito radical das bem-aventuranças, e no risco total daquele amor que sabe dar a vida por aqueles a quem ama.



(1) A IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz foi um encontro organizado pelas Nações Unidas entre 4 e 15 de setembro de 1995 em Pequim, China. Participaram do evento 189 governos e mais de 5.000 representantes de 2.100 ONGs. Os principais temas tratados foram: O avanço e o empodeiramento da mulher em relação aos direitos humanos das mulheres; Mulher e pobreza; Mulher e tomada de decisões; A criança do sexo feminino; Violência contra a mulher.

2 comentários:

  1. Beleza de texto. Um Deus que se faz dependente da liberdade, do "sim" de uma criatura livre, mulher frágil, espera este "sim", diz o Papa Bento XVI. Como diz o autor:"...as raízes do feminino se perdem em Deus, e Maria é a revelação, o sacramento, a antecipação escatológica de tal mistério de ternura.Vou 'colar' no meu blog.

    ResponderExcluir
  2. Ir. Paulo que texto profundo e interessante, gostei muito, é que jóia conhecer as palavras de sua fundador sobre Maria. Muito significativo saber que ela é inspiração para os educadores, Maria a Educadora por excelência. Obrigada pela dica. Ir. Beatiz

    ResponderExcluir